quinta-feira, maio 13, 2004

Iliteracia e Lettering

Uma das vacas sagradas das escolas de Design é o chamado "mundo real". Presume-se que seja "real" por oposição à própria escola, que é uma espécie de limbo ou sala toda branca onde o Keanu Reeves guarda as armas no Matrix. Este mundo real — também conhecido por "lá fora" ou por "mercado de trabalho" — é o sítio onde o aluno de design arranja um emprego num atelier de design e nunca mais precisa de teoria para nada, vivendo feliz para sempre. Muitas vezes, as disciplinas, matérias e notas finais dos cursos de Design são dadas em função desta filosofia pragmática.

Por outras palavras: toda a gente sabe que as escolas de Design devem educar profissionais para o mercado de trabalho. Por vezes, perdoa-se alguma abertura nas matérias leccionadas — som, imagem, filme, teoria, etc — desde que isso não habitue mal os futuros profissionais.

Desta forma, é prática comum não ser dada demasiada (leia-se nenhuma) formação teórica aos futuros designers. Resultado: há alunos que durante o curso nem sequer leram aqueles livros que só têm escrito "The quick brown fox" em várias fontes e que apesar disso têm médias elevadíssimas. O raciocínio de quem lhes dá as notas é do género: "Oh, ele nem sabe ler e escrever, mas é um rapaz esforçado e, como vai trabalhar num atelier de design, não precisa de grandes conhecimentos teóricos de qualquer das formas…"

No entanto,em Portugal, a única utilidade da média final de curso é dar aulas ou aceder a um mestrado ou doutoramento; para trabalhar num atelier nem sequer é preciso um curso. Concluindo, o resultado da valorização excessiva de um certo pragmatismo saloio à custa de uma formação teórica mais sólida faz com que os nossos mestrados, doutoramentos e lugares de docência estejam recheados de pessoas que nunca viram nenhum interesse ou vantagem em ler, escrever e até pensar demasiado.

Designers, Gráficos & Gráficas

A designação “designer gráfico” incomoda certas pessoas, sobretudo quando é abreviada para “gráfico”. Por exemplo, o Departamento de Design da Fbaup é muitas vezes chamado o Departamento de Gráficas pelos serviços administrativos, provocando algum ranger de dentes por parte de alguns professores.

Se a expressão “designer gráfico” é, como tudo na vida, uma mera tradução do inglês, porque é que incomoda tanto neste caso? Talvez porque parece a descrição de um sujeito que lida com as “Gráficas”, uma coincidência estúpida que só acontece na lingua portuguesa.

O designer, trabalhador intelectual, tem medo de ser confundido com um intermediário: o tipo que lida com as idas à oficina de impressão; o gajo "designer" que é como quem diz um pouco "sensível", "artístico" e "com jeito", mas que ao fim e ao cabo só serve para evitar que o cliente suje a camisa com tinta.

Para evitar esta confusão, começou a preferir-se "Designer de Comunicação", designação mais própria para um profissional da cultura ao serviço das novas tecnologias e especialista em coisas que estão fora do alcance do proletário comum.

Agora, há quem ache a nova definição estreita de mais. A interdisciplinaridade instalou-se e a palavra "designer" parece demasiado conotada com uma só actividade. Há quem prefira apenas "Comunicador"…

terça-feira, maio 11, 2004

O Designer como Charlatão

This Essay has had a specific design in Mind: It set out to expose the cunning and deceptive aspects of the word design.

Vilém Flusser


Imaginem isto: numa universidade, em plena aula, o professor diz aos alunos "Eu sou o vosso cliente; se me enganarem, passam". À primeira vista, talvez se trate de uma aula de arte, seja ela poesia, teatro ou literatura. Nestas áreas é hábito valorizar-se o artifício, mas a palavra “cliente” leva-nos para outros caminhos; torna a frase mais inesperada, mais controversa. Será que estamos perante uma academia da fraude comercial?

Esta é uma aula de design e este é um discurso muito comum, que eu ouvi diversas vezes ao longo (e depois) do curso, sob diversas formas. Ás vezes, dizia-se "educar" em vez de "enganar", mas qualquer uma das versões denota arrogância, paternalismo, talvez mesmo agressão. Em arquitectura, a relação com o cliente pode ser tempestuosa, mas não se usa este tipo de palavras. Se há algum engano, ele não está embutido no discurso profissional.

Mas qual é exactamente o engano que é promovido aqui?

A palavra design pode querer dizer "esquema", "plano", "intriga", etc. Existe um ensaio de Vilém Flusser sobre isso, no seu livro "The Shape of Things". No entanto, não me parece que a referência seja assim tão erudita — a maioria dos meus professores traduziam design por "desenho".

Os designers gostam de se ver a si mesmos como “smooth operators” e ”spin doctors”, mercenários do gosto que resolvem numa penada problemas que o cliente nem sabe que tem; professores Higgins paternalistas que educam e elevam o cliente — apesar dele mesmo — acima do seu mau gosto e ignorância.

Mas por detrás desta "panache" toda existe um medo de que seja tudo realmente um engano. Os designers gostam de acreditar na sua própria publicidade e são desta forma os únicos a não perceber o logro. As suas maiores vítimas acabam por ser eles mesmos.

É natural que um profissional duvide das suas próprias capacidades, testando-as e melhorando-as sempre que possível; parece mais improvável que alguém que tenha escolhido conscientemente e livremente uma profissão não acredite na sua legitimidade enquanto actividade honesta.

A razão para esta sensação fraudulenta encontra-se numa espécie de moralismo retrógrado que encara o comércio de ideias ou signos como uma espécie de “conto do vigário”, que não envolve qualquer tipo de bem material. Mas, numa sociedade capitalista, a produção de riqueza, mesmo o próprio dinheiro, não têm equivalente material; são circulação de informação pura. Os designers, que lidam com certos signos visuais, criam e administram capital sob a forma de informação e não deviam sentir-se demasiado mal por isso.

Um designer não se limita a dourar a pílula, alterando o aspecto de um produto existente previamente. Numa sociedade como a nossa, um jornal, revista ou mesmo empresa são imperceptíveis se não tiverem design. Nenhum deles pode ser isolado da sua imagem, muitas vezes só existindo por causa dela.

Lá Fora

Há quem diga que em Portugal não existem meios para avaliar o mérito.
É mentira, nós temos um sistema milenar e infalível para separar os nabos dos génios.
A saber:

1. Dá-se uma bolsa de estudo ao indíviduo em questão;

2.Manda-se o sujeito para uma universidade "lá fora" pagando-lhe o equivalente a um automóvel familiar em propinas e despesas;

3. Se o indíviduo for um génio, ficam com ele e com o dinheiro; se for um nabo, ficam com o dinheiro e mandam o inútil de volta à pátria;

A aplicação deste género súbtil de Darwinismo invertido fez de Portugal aquilo que é hoje.