quarta-feira, outubro 26, 2005

Sem Comentário

Já publiquei neste blogue quase cinquenta textos - este é o número quarenta e oito. Durante todo este tempo, tive a política de apenas responder aos comentários que fossem menos agressivos. Geralmente, eram comentários que discordavam do que eu tinha escrito e que o faziam articulada e pertinentemente. Sempre que me foi apontado com justeza algum engano ou gralha sempre o admiti e corrigi. Mesmo quando as coisas descambaram deixei correr, confiando - talvez excessivamente - no bom senso de todos. O único comentário que apaguei neste tempo todo foi um spam, há cerca de uma semana atrás. Apesar de tudo, a discussão tornou-se cada vez menos produtiva e cada vez mais violenta. A discussão acaba por ser apenas sobre a própria discussão, ignorando completamente o post original.

A partir de hoje vai haver uma nova politica em relação aos comentários. Não se destina a censurar opiniões diferentes da minha, que continuarão a ser bem-vindas, mas a moderar o tom da discussão, que tem assumido uma violência e uma impertinência desencorajadoras. Ficará disponível para consulta na coluna de navegação do site. Aqui vai:

The Ressabiator não tem qualquer responsabilidade sobre os comentários enviados para este site. Reservamos, no entanto, o direito de apagar comentários. Desencorajamos comentários que fujam ao tópico discutido, sejam incompreensíveis ou inoportunos; comentários que sejam desnecessariamente agressivos, difamatórios, insultuosos ou ameaçadores; comentários que violem leis de direitos de autor e propriedade intelectual; comentários promovendo serviços ou produtos comerciais (com mau design); por outras palavras, comentários que são considerados inapropriados pela única autoridade dos editores deste site.

The Ressabiator encoraja comentários curtos e pertinentes; regra geral, não devem exceder o comprimento do post original. Os comentários devem respeitar educadamente outras opiniões presentes na discussão. Os editores reservam-se o direito de apagar comentários que não estejam de acordo com estes critérios.

Adaptado do DesignObserver (se é bom para eles, é bom para mim).


Este post não tem comentários (por razões óbvias). Os comentários sobre este texto colocados em outros posts serão apagados.

quinta-feira, outubro 20, 2005

Bartleby, o Designer

Uma das primeiras vezes que tive consciência da importância da tipografia na leitura de um livro aconteceu quando li o Moby Dick do Herman Melville. Foi um processo aventuroso que levou alguns meses e três edições diferentes. A primeira foi uma Penguin Popular Classics, com capas beges, que acabei por perder numa mudança de casa. Para não perder o ritmo, substitui-a por uma edição da Wordsworth Classics que durou mais algum tempo. A história era agradável e estimulante, mas a leitura em si era cansativa. O entrelinhamento era demasiado curto, a impressão esborratada. Tudo contribuía para uma mancha de texto pouco uniforme. Raramente conseguia ler mais do que uma dúzia de páginas de cada vez. Em desespero de causa, acabei por comprar uma edição anotada da Penguin Classics, de capa preta, muito bem paginada e impressa, com boas hierarquias e boas margens, que li de um fôlego.

O próprio enredo abordava questões de design de livros. Moby Dick é um livro tão obcecado por livros como por baleias. A certa altura estas chegam a ser classificadas por ordem de tamanho como se fossem livros: havia baleias folio, octavo, duodecimo.

Para quem pense que desperdicei dinheiro, a aventura completa ficou-me por cerca de oito euros. Agora, sempre que compro um livro com várias edições disponíveis na mesma língua, a paginação ajuda-me a decidir qual a mais adequada e, sinceramente, não me importo de gastar um pouco mais de dinheiro numa leitura mais confortável. Recentemente, abandonei uma edição brasileira da Arqueologia do Saber de Michel Foucault, em favor da edição portuguesa da Almedina, que se lê muitíssimo bem. A edição brasileira tinha uma fonte de texto mais ou menos ornamentada, quase Arte Nova (isto notava-se sobretudo nas maiúsculas) que a tornava bastante ilegível.

Voltando a Melville, existe outro texto - talvez o seu segundo texto mais conhecido - que devia ter uma pertinência particular para os designers gráficos actuais. É um pequeno conto, passado na Wall Street do século dezanove, chamado Bartelby, o Escrivão. A história é contada sob o ponto de vista do chefe do escritório. Ele descreve o dia-a-dia no escritório; as personalidades peculiares dos seus empregados; a chegada de um novo empregado, Bartleby, que põe em causa tudo isto, recusando-se a fazer cada vez mais coisas. Talvez seja uma das primeiras histórias conhecidas sobre tensões no escritório.

O que me interessa aqui não é tanto o enredo, mas a profissão de Bartleby. Ele é um escrivão, alguém que passava documentos de escritório à mão, ocupando-se da sua aparência visual e da sua reprodução numa altura em que ainda não havia impressoras laser, jacto de tinta ou mesmo máquinas de escrever e papel químico. E é praticamente isso que muitos designers fazem neste momento: asseguram o aspecto visual dos documentos empresariais, internos e externos. A descentralização laboral assegurada pelo computador deu origem ao designer-escrivão - o género mais comum de designer actualmente. A identidade gráfica de muitas pequenas empresas é praticada a cada momento por este tipo de designer. Ele faz tudo, desde o cabeçalho do memorando, até ao relatório de contas, passando pelo letreiro a dizer que a máquina de café está avariada. É um trabalho estúpido, aborrecido, frustrante. É secretariado visual.

Neste contexto, o discurso do modernismo, com a sua forma/função, a sua neutralidade - enfim, todo o tipo de discurso teórico ou crítico - pode parecer redundante, impossível de se ajustar a estas tarefas de secretariado. Agora, os pobres designers até têm que rever os textos.

Embora os designers gráficos gostem de acreditar que descendem dos tipógrafos, dos publicitários, das vanguardas do início do século XX, a verdade é que os nossos antepassados mudam com os tempos e, hoje em dia, o antepassado da maioria dos designers é o humilde escrivão.