quarta-feira, junho 30, 2004

O Ovo e a Galinha 1.1

Uma pergunta:

A discussão do post anterior parece sugerir que a teoria do design só pode ser assente na prática profissional e não em usos "populares" de design.
A teoria no design pode ser a priori? Por outras palavras, a teoria segue-se à prática ou vice-versa? O ponto de vista habitual enquanto eu estudava era que a teoria (e a formação) pretendiam reflectir e simular a prática. Será que há alternativas?

segunda-feira, junho 21, 2004

Interdisciplinaridade™

No começo da Revolução Industrial, os métodos de trabalho de tecelões e armeiros foram racionalizados, divididos em tarefas simples e posteriormente automatizados, incorporados em máquinas que podiam ser produzidas em massa, compradas e vendidas.

Os designers que se consideravam homens de ideias, criativos especializados na manipulação de certo tipo de significantes, achavam que estavam imunes a este tipo de mudança.

A invenção do computador pessoal viria abalar esta confiança. De início, o computador parecia uma coisa boa. Para os poucos designers que o podiam comprar era uma máquina quase milagrosa. Permitia poupar tempo e dinheiro, centralizando numa só pessoa tarefas que anteriormente eram distribuídas por uma longa linha de produção.

O problema foi quando toda a gente começou a ter um. De repente, apareceram queixas de que precisava de ser usado de uma forma mais responsável. Dizia-se, sem muita convicção, que era apenas mais uma ferramenta. O que importava era o conceito e não a tecnologia.

Com o tempo, muitos dos processos que os designers reclamavam como seus foram transformados em programas de computador que qualquer pessoa podia comprar — ou piratear. Questões que seriam consideradas quase espirituais passaram a ser deixadas ao critério do computador. Falo da hifenização, do alinhamento óptico, do espaço entre palavras, da correcção ortográfica e gramatical. Mesmo um programa como o Word permite resultados que envergonhariam a maioria dos designers profissionais dos anos setenta.

O que sobrou desta transformação de processos e metodologias em produtos de consumo acabou por ser a história e o discurso da disciplina. Por discurso não digo apenas a maneira como um conjunto de pessoas falam sobre o que fazem, mas também uma série de maneirismos embutidos na própria prática.

Por outras palavras, toda a gente pode ter acesso a uma versão simplificada, automatizada e pronta a usar da totalidade de uma disciplina. Esta defende-se, apostando tudo no pedigree histórico e na capacidade de renovar e originar novos métodos de trabalho, tentando manter-se fora do alcance da automatização — talvez isto explique a recente canonização do acidente e do erro.

Notem que esta transformação de disciplinas em produtos de consumo não afecta apenas o design, mas também a música, o cinema, a ciência, etc. O discurso defensivo de cada uma destas disciplinas apela geralmente para valores históricos: "Os designers não entendem as questões históricas deste tipo de música", "os artistas plásticos não entendem de onde vem este tipo de paginação". No entanto, o consumo de metodologias e objectos tornados independentes da sua história e do seu lugar de origem tem um aroma a actualidade, a novo, que só é conseguido a muito custo dentro das fronteiras das próprias disciplinas. Os cépticos dirão que é apenas uma ilusão, que tudo isto já foi feito há muito tempo. É verdade, mas esta sensação rápida e fugaz de novidade não será a derradeira e mais viciante experiência que se pode comprar?

Muito do que se chama agora "interdisciplinaridade" talvez seja apenas um mercado onde se trocam e vendem disciplinas, transformadas em bens de consumo.

quarta-feira, junho 16, 2004

Desabafo

No meu trabalho discute-se muito o design. Existem mesmo duas opiniões dominantes mas opostas: os que acham que o copo está completamente vazio e os que acham que está cheio de potencialidades.

terça-feira, junho 08, 2004

Três Pontos

Nos últimos meses tenho passado pela FNAC com um único propósito: ver se a última DotDotDot já chegou. Na quinta-feira passada fui recompensado: estava lá o número sete. Apesar da conta bancária quase vazia, comprei-a imediatamente.

Desde então tenho-me dedicado a estudar as suas subtilezas e a provocar a inveja dos amigos menos afortunados (entretanto já esgotou). A capa tem desenhada uma espiral a preto sobre papel creme (descobri que foi pintada à mão com tinta da china; era possível ver a sobreposição das pinceladas e as bolhas de secagem nas áreas mais densas). Apropriadamente, a contracapa tem escrito, em letras vermelhas, utilitárias e muito grandes: "God is in the Footnotes (pay no more than 10 euros)".

A revistita nem sempre me motivou estas ânsias: a primeira vez que a vi (foi o número quatro) pareceu-me mal paginada, mal impressa, naquele papel "reciclado" que ocupa a parte debaixo das tabelas de preços das gráficas. Parecia um livro da catequese. Tinha mau aspecto. Na altura, cheguei a chamar-lhe "Fanhoso-Chique". Poderia ser confundida com uma revista cultural portuguesa da altura em que não havia dinheiro para imprimir revistas culturais em Portugal. Estou a falar nos primeiros números da Bíblia, da Número, da Nu, etc.

Mas, apesar de todos estes defeitos aparentes, comprei-a. Gostaria de dizer que o fiz por ter "compreendido" a coisa à primeira — uma espécie de acto de fé. Infelizmente, comprei-a apenas por ser barata; só depois é que fui iluminado.

Esta é uma revista holandesa, escrita em Inglês por um conjunto internacional de críticos e designers. Trata de todo o tipo de assuntos que possam interessar remotamente a um designer gráfico, desde a tipografia Suiça de Rudolph de Harak, até testes russos de Sinestesia (pessoas que ouvem cores e cheiram sons) passando pela escola de taxistas de Londres (tudo exemplos do número seis, o primeiro impresso a cores).

Os temas parecem desconexos, mas são tratados com um rigor e uma profundidade comoventes. Designers conhecidos são analisados da mesma maneira que placas de monumentos, gestos obscenos, guias para observadores de pássaros e exposições de arte.

A diferença entre a DotDotDot e o resto da imprensa especializada internacional é que não fala de designers, apenas de Design, visto como uma actividade ao alcance de todos, popular, mas também exótica e inesperada que aparece nos sítios mais estranhos.

O design gráfico passou a ser uma ocupação tão democrática como escrever ou desenhar. Seria ingénuo continuar a pensar que só pessoas com um diploma a poderiam exercer legitimamente. Naturalmente, a crítica do design gráfico teria que acomodar esta mudança abandonando a sua natureza normativa e moralista ("não se deve usar Times corpo 12", "deve-se educar o cliente"), tornando-se mais humilde, observadora e abrangente. Os críticos da DotDotDot compreenderam que, neste momento, qualquer pessoa que tenha um computador pode fazer design gráfico. Esta é a verdade pura e simples.

sexta-feira, junho 04, 2004

A Origem Secreta do Ressabiator

Agora que recebi o meu primeiro comentário, penso que chegou a altura de ter uma conversa com o(s) meu(s) leitor(es) sobre as motivações que me levaram a criar este blog e as razões do anonimato.

Originalmente, "The Ressabiator" era para ser uma revista(fanzine) auto-financiada de crítica de Design. Desde os tempos do curso de design que me queixava da inexistência de uma recensão actualizada sobre o design gráfico português. Na grande imprensa, a palavra "design" era usada apenas em relação a cadeiras, pratos e vestidos caros; a imprensa especializada era(é) intermitente e demasiado centrada nos aspectos puramente técnicos da profissão.

Durante algum tempo, consegui saciar-me escrevendo artigos sobre design gráfico e ilustração em revistas de arquitectura, banda-desenhada, camarárias, etc. No entanto, apesar da boa-vontade dos editores fiquei sempre com a sensação de que preferiam que fosse outra coisa.

Assim, tive a ideia de criar uma revista sem recorrer ao inevitável subsídio (parecia-me mais honesto e isento). Enquanto esperava pelos textos dos colaboradores (em alguns casos ainda estou à espera), fui escrevendo os meus próprios textos, que se foram avolumando.

Um belo dia, uma amiga minha falou-me do blog "DesignerX" e que aquilo lhe fazia lembrar os meus textos, embora o autor fosse obviamente de Lisboa. Fui ver e fiquei cheio de inveja. Nesse mesmo dia criei o meu próprio blog e comecei a publicar textos antigos e recentes, guardando os mais "intemporais" para a eventual revista.

(Aproveito a ocasião para louvar o exemplo do "DesignerX" e espero que existam mais blogs críticos além do dele.)

A questão do anonimato não pareceu importante na altura. Os meus primeiros "posts" eram assinados com o meu próprio nome. Não faço questão do segredo, mas sempre quis ter um bom pseudónimo (quando procuro o meu nome original no Google aparecem 75100 resultados).

Para os insatisfeitos, aqui vão alguns dados biográficos:

Exerço uma profissão ligada à teoria do design gráfico (parece impossível mas é verdade).
Não sou um designer gráfico profissional (embora tenha o curso).
Vivo e trabalho no Porto, mas não gosto de futebol.

quinta-feira, junho 03, 2004

Nada de Novo

Um conselho aos supostos “designers conhecidos da nossa praça”: nunca confundam a ausência de crítica com uma crítica positiva. Em relação aos media, “calar”e “consentir” não significam bem a mesma coisa.