domingo, março 11, 2007

Mudança




Agora estou aqui.

terça-feira, março 06, 2007

O Melhor Cliente Possível


Dentro de certo discurso em torno do design de comunicação é costume assumir-se, de forma mais ou menos subtil, que cultura e estética se opõem a funcionalidade ou economia, tal como demonstra esta passagem do Plano Estratégico do Centro Português de Design 2004-7 (disponível no site do CPD):

Muitas vezes associado a algo cultural, bonito ou apetecível, o design deve ser considerado como disciplina criadora de retorno, geradora ou potencializadora de melhorias na prática de valores intrínsecos, na funcionalidade ou acessibilidade de produtos e serviços.

Por esta ordem de ideias seria razoável esperar que, na promoção do design português, fosse dada mais ênfase ao design orientado para a área empresarial e comercial do que ao design realizado em contextos culturais ou académicos. No entanto, no catálogo da exposição (P) Portugal 1990-2005, comissariada pelo presidente do CPD, Henrique Cayatte, dos oitenta e seis trabalhos de design de comunicação presentes, representando cinquenta designers portugueses, 82.1 % são realizados para contextos culturais e académicos, 8.3% para empresas do estado, 4.8% para empresas privadas e 4.8% são trabalhos cujo cliente não é identificado. Por outras palavras – e paradoxalmente –, embora muitos designers afirmem o oposto, os designers portugueses mais conhecidos trabalham na sua grande maioria para a cultura.

É bastante provável que os orçamentos milionários estejam fora da cultura, na publicidade, na indústria, etc. – sem acesso a números concretos é impossível saber ao certo. Contudo, num pais como Portugal, sem nenhuma imprensa especializada dedicada ao design gráfico e com pouquíssima presença em publicações ou eventos internacionais, o design ao serviço da cultura acaba por ser sinónimo de promoção para os designers gráficos que o fazem. Desta forma, a cultura pode ser vista como uma perda calculada para captar a atenção de clientes mais rentáveis fora do contexto cultural. Estes clientes podem inclusivamente estar interessados em reposicionar as suas marcas ou produtos em termos de experiência cultural, de acordo com as tendências actuais do branding e do marketing.

No entanto, apesar das vantagens mútuas, a relação entre design e cultura não é propriamente pacífica. Do lado da cultura, nos últimos anos houve mudanças drásticas. O corte sucessivo e sistemático de subsídios estatais pressionaram as instituições a procurar mais apoios privados. Nestas condições, a melhor maneira de garantir patrocínios e mecenatos é estar em permanente expansão, inaugurando novos edifícios, exposições, serviços educativos, eventos, apelando a novos públicos, etc. À primeira vista, esta seria uma oportunidade dourada para o design gráfico. No entanto, existem aqui três problemas: em primeiro lugar, a ideia de que o bom design gráfico deve ser invisível, um serviço anónimo e humilde, que se limita a identificar e resolver problemas; em segundo lugar, a ideia de que o design gráfico facilita o acesso aos produtos culturais; em terceiro e último lugar, a ideia que o design ajuda a vender a cultura.

No primeiro caso, o problema do design, e neste caso não falo apenas do design português, é que se assume muitas vezes como um serviço genérico, uma espécie de secretariado gráfico, que pode ser exercido com variações mínimas para empresas de contabilidade, para fabricantes de automóveis, para museus, para revistas, etc. Na maioria dos casos, isto dá origem a um estilo por defeito – uma espécie de modernismo desproblematizado. A isto poderíamos opor o exemplo de Karel Martens, Wim Crowell ou Andrew Blauvelt que praticam um design que, apesar de discreto, racional e eficiente, não deixa de ser inteligente, articulado e, muitas vezes, experimental. Por outro lado, poderíamos também referir que um design discreto e genérico pode ajudar uma instituição como um museu a parecer neutra e estatal, mas, numa época em que o financiamento e o público dependem de visibilidade mediática, algumas instituições começam a preferir um género de design que pode ser promovido como um evento em si mesmo – a contratação de Stefan Sagmeister para realizar a identidade da Casa da Música demonstra isso mesmo.

No segundo caso, muitos designers, acreditam que uma das funções do design é facilitar o acesso à cultura, o que se resume muitas vezes à simplificação grosseira dos conteúdos – por exemplo, justificando a necessidade de ilustrar um texto por as pessoas já não lerem muito e preferirem mais imagens, em vez de usar a ilustração para acrescentar novas possibilidades de leitura ao texto. Ao insistir neste discurso, o design arrisca-se a tornar-se sinónimo de estupidificação e não de acessibilidade, levando muitas vezes a que os clientes prefiram um design mais genérico – o secretariado gráfico de que se falou mais atrás –, mas que interfira menos com os conteúdos. A esta concepção podemos contrapor a ideia do design como “uma forma de corporizar e salientar as complexidades e os aspectos intrincados do quotidiano”, como diz António Silveira Gomes, dos Barbara Says, ou como uma maneira de criar uma “simplicidade complexa”, como afirma Andrew Blauvelt.

O terceiro caso é, de certa maneira, uma continuação do segundo: o design apresenta-se como uma forma de vender a cultura, o que é problemático porque (proverbialmente) a cultura “não tem preço” – as instituições culturais podem ter a corda ao pescoço, mas não gostam necessariamente dessa sensação. Por outras palavras, o uso do discurso do marketing e do branding dentro da esfera cultural pode ser visto como uma perversão do seu carácter, do seu “valor intrínseco”. Neste caso, o design acaba por não ser visto como uma coisa essencial, orgânica, mas como um mal necessário, uma concessão temporária – no melhor dos mundos, a cultura vender-se-ia sozinha. Talvez por esta razão, existe actualmente uma tentativa de distanciar o design do discurso da publicidade, branding e marketing, aproximando-o mais de um contexto editorial ou curatorial, onde o designer não se limita a cuidar da apresentação fina dos conteúdos, mas participa no processo de criação e articulação de conteúdos desde o começo – mais uma vez, o trabalho de Andrew Blauvelt para o Walker Art Center (na imagem), ou o trabalho de António Silveira Gomes para a Zé dos Bois são bons exemplos.

Isto introduz um outro problema: embora se acredite que a formação dada nas nossas escolas é relativamente genérica quanto aos potenciais clientes, a verdade é que acaba por se valorizar os clientes empresariais e o design enquanto serviço. Se a grande maioria dos designers formados irá trabalhar em empregos de secretariado gráfico, é bem possível que os nossos designers mais conhecidos continuem a encontrar o seu sucesso na área da cultura. Talvez valha a pena então formar designers com uma consciência cultural mais sólida – se um designer treinado para trabalhar na área da cultura consegue realizar trabalhos com sucesso para o meio empresarial, o oposto é menos provável.