segunda-feira, janeiro 31, 2005

O Cliente na Escola

Uma das figuras "narrativas" mais invocadas pelos designers é o cliente. Não estou a dizer que os clientes não existem, ou que são figuras mitológicas. Neste texto não falo dos clientes concretos do "mundo real" mas da ideia de cliente que surge regularmente no discurso dos designers, especialmente no mundo académico, onde alunos e professores o usam como argumento definitivo quando discutem a adequação de um trabalho ao mundo real.

A construção da personagem do cliente - os seus hábitos, as suas dúvidas, as suas exigências - acaba por representar uma imagem caricatural das próprias fronteiras do design, de tudo aquilo que o limita e oprime. Trata-se evidentemente de um preconceito, mas também da encarnação de uma forma mais ou menos subtil de auto-censura - certas opções foram feitas, por exemplo, porque o cliente quis, certo lettering foi acrescentado porque o cliente pediu. Mesmo que o trabalho perca qualidade formal, isso pode ser perfeitamente justificado se o cliente assim o exigir. Na prática profissional esta é uma limitação bem real e frustrante mas quando é invocada no âmbito de um trabalho académico pode tornar-se estranhamente arbitrária.

Na vida real como na escola, o cliente pode ser um bicho papão mas também pode ser um bode expiatório. O cliente afasta certas responsabilidades da esfera de acção do designer. De certa forma, serve para o designer poder lavar as suas mãos em situações mais incómodas. De acordo com a deontologia tradicional do design, a autoria moral de um trabalho pertence ao cliente. É ele que origina o processo e é ele que é responsável pelas suas consequências. As opções éticas do designer limitam-se a assegurar a neutralidade e transparência da mediação. De certa forma, o cliente confirma e completa a ideia do designer como mediador, um intermediário neutro, impessoal e transparente.

Naturalmente, este ponto de vista é posto em causa quando o designer se torna o seu próprio cliente. Durante muito tempo existiram mecanismos disciplinares que tentavam impedir esta situação. Os trabalhos auto-iniciados eram considerados menos respeitáveis que os trabalhos ao serviço de outrem e os designers que faziam este tipo de trabalho eram considerados "artistas" inadequados ao mercado de trabalho. Actualmente, o aumento do design de autoria é coincidente com um aumento da responsabilização ética do designer.

À medida que a ideia de cliente vai perdendo força, vai sendo substituída pela ideia de público. Curiosamente, o público aparece pouco nas narrativas tradicionais do design. Em vez de se falar de público falava-se da percepção, de linguagem, da comunicação. Assumia-se que o público era incorpóreo e indivisível, não tinha diferenças culturais, de sexo, etc. O público acabava por ser a própria humanidade, de que as intuições do próprio designer eram amostra suficiente, não sendo necessário criar-lhe uma personagem.

Talvez a maior diferença entre público e cliente tenha a ver com a responsabilidade. Temos medo do cliente porque só ele nos pode responsabilizar - não é costume um designer ser responsabilizado pela opinião pública. Nessas ocasiões é geralmente o próprio cliente que apanha com as culpas. Mas, por todas estas razões, o público - e as instituições públicas - acabam por não confiar demasiado nos designers, preferindo soluções aparentemente mais naturais ou científicas.

Se o design quer realmente cumprir as suas ambições mais sociais e públicas precisa evidentemente de mudar o seu discurso. A invocação de um cliente no ambiente escolar tenta incutir nos alunos um respeito "saudável" pelo mercado de trabalho mas, por outro lado, esta estratégia de simulação pode - e deve - ser questionada sem que isso seja visto como uma ameaça aos empregos dos futuros designers.