sexta-feira, maio 20, 2005

Já reparou que ninguém repara no design português?

O anúncio ocupa uma página inteira. É a fotografia de uma sala pouco mobilada, de variação tonal reduzida - bege, branco e castanho - ilustrando o bom gosto espartano mas genérico que se pode comprar na Ikea ou na Habitat. Integrada na imagem, aparece a pergunta: “Qual destas peças conquistou mais prémios de design?” Calcula-se que uma pessoa normal diga que foi o candeeiro, o sofá ou a pintura. A resposta do anúncio - “Curiosamente, foi o jornal” - codifica um sentimento de inferioridade em relação ao design de equipamento, de moda ou de interiores, bem entranhado no design gráfico português (já referido noutro texto deste blog).

O anúncio não procura contrariar este preconceito - confirma-o, oficializa-o, salvaguardando apenas uma excepção: o Público e os seus suplementos. São excepcionais porque parecem desafiar a ordem aceite das coisas, onde os candeeiros e os tapetes valem sempre mais que os jornais.

Paradoxalmente, um outro anúncio, desta vez televisivo, revela precisamente que os portugueses não reparam no tipo de objectos que o Público aspira ultrapassar. Neste caso, uma alegoria demonstra-nos que se não houvesse design português seria difícil notar a diferença (alguns manequins não teriam roupa, algumas pessoas bem vestidas andariam descalças, o sempre falível e heróico programa espacial estaria às escuras).

Estes anúncios lamentam a invisibilidade do design português e recriminam discretamente o espectador por isso, assegurando-lhe que, apesar de tudo, não faz mal: o bom design faz o seu serviço mas ninguém repara nele - é invisível.

Há muito tempo que os designers produzem regularmente este tipo de lamúrias em privado. Pelos vistos, agora também as usam como forma de promoção. Espero que não estejam à espera de grandes resultados.