terça-feira, outubro 19, 2004

Nada de Novo (pois, pois…)

Desde há algum tempo que eu tinha uma suspeita persistente. Era uma daquelas coisas que até aos amigos se tem medo de revelar. No entanto, não podia ignorá-la — havia demasiados indícios a confirmá-la. Neste Verão resolvi tirar a prova: agarrei nas Eye, nas DotDotDot, pedi emprestadas algumas emigre, e catei pela casa as poucas Print, Graphic, e uma CMYK ou outra. Reli um ano de artigos e ainda dei uma olhadela aos blogues e sites. Finalmente, vi que era capaz de ter razão: já não se falava de designers gráficos nas revistas de design!!!

Por exemplo: há um ano que a Eye já não escreve sobre designers na berra, nem lança novos nomes ou modas para a arena. Não defende jovens designers polémicos, nem velhas estrelas que regressam. Os artigos sobre novas tendências e as entrevistas a designers foram lentamente substituídos por artigos quase etnográficos sobre o design no México e na Índia e pequenos ensaios visuais comparando sinais de trânsito de todo o mundo. Mas a ausência não era total: ainda apareciam designers árabes, indianos ou eslavos.

De certa maneira, o que estava a ser posto em causa era o designer como branco europeu (ou norte-americano) e a ideia modernista do design como uma suposta língua franca visual. O design deixava de ser normativo e homogéneo e passava a ser um indicador de diferença. Mais ainda: o design como ferramenta publicitária também perdia destaque e era substituído por abordagens mais exóticas (e menos rentáveis): o design como ferramenta de investigação, de pedagogia, de propaganda política, nacionalista, religiosa, etc.

Estas mudanças complementavam as da emigre que, três números atrás, mudava de formato e de política editorial. Depois de uns anos dedicados ao Ensaio Visual e à música, a emigre tentava entender o que podia ser a própria crítica do design. No número #64, Kenneth Fitzgerald pedia uma autonomia crítica e, neste momento, é isso que acontece; a crítica e a teoria do design emancipam-se dos próprios designers. De certa maneira, deixam de falar de designers para falar de design — uma diferença significativa.

O designer já não é visto como a única origem possível do design, num mundo atulhado de design e numa sociedade onde não são só promovidos os produtos do design mas as suas próprias ferramentas e técnicas. Tal como o tema da última Experimenta exemplifica (Para Além do Consumo), o próprio consumo já é, desde há muito, promovido como um processo criativo semelhante ao design.

Naturalmente, esta omnipresença torna o mundo muito mais interessante para um teórico do design, mas os designers vêem-na como uma ameaça à sua própria legitimidade, tornando-os ainda mais defensivos (ou agressivos) em relação à crítica. Mas, com a amplificação do seu raio de acção, os críticos e os teóricos podem manter-se afastados do vespeiro que são os interesses mais comerciais do design. De resto, estes sempre tentaram instrumentalizar ou desvalorizar a crítica, limitando-a a uma mera promoção de tendências, repositório de tradições ou canonização de personalidades.

Esta emancipação tem a sua base material nos blogues e nos sites. Graças a eles, surgiu um verdadeiro jornalismo crítico que não precisa de patrocínios para aparecer, podendo cobrir assuntos que se escapam aos interesses mais imediatos dos profissionais do design.

Neste momento, estamos a assistir a uma verdadeira separação entre teoria e prática no design. Desde há algum tempo que se esperava que cada designer fosse um homem dos sete instrumentos que dominava (e tinha tempo para dominar) todas as áreas da sua disciplina com rigor e imparcialidade. Toda a actividade e filosofia do design estavam centradas na figura do designer. Como consequência, boa parte da teoria acabava por ser uma espécie de metodologia embutida na prática. Agora já se torna difícil imaginar alguém a conciliar uma prática profissional de atelier a tempo inteiro, com uma investigação teórica cada vez mais distinta das preocupações do design comercial clássico. É simplesmente impossível.

Este pequeno texto — que nem chega perto de esgotar o assunto — tenta entender a infelicidade dos designers num mundo cada vez mais obcecado por design. Esta é uma infelicidade manifesta e, por vezes, rancorosa. Surge como uma hipertrofia corporativa que se vira contra tudo o que ameace o status quo, e que, visando sobretudo a crítica e a teoria, se estende a todo o tipo de práticas que possam pôr em causa a legitimidade da profissão. Se há dez anos os designers se queixavam de ninguém reconhecer o nome da sua profissão, actualmente já vi gente a queixar-se do uso abusivo do termo.

Um último pormenor: o design português sempre usou a imprensa especializada internacional para encontrar as suas tendências e os seus heróis. Mas, como vimos acima, a fonte tem estado seca. Neste momento, o design nacional começa a tornar-se repetitivo e utilitário. Recicla-se as soluções do costume e espera-se. Mas, e se a próxima "coisa" não chega?