“Literacia visual”
É uma expressão curiosa. À primeira vista significa simplesmente a capacidade para entender uma imagem. Por outro lado, as coisas podem não ser assim tão simples. Dei conta disso quando me perguntaram num inquérito se achava que os portugueses ainda não tinham literacia visual. Primeiro, senti-me tentado a responder que sim – a falta de cultura visual seria mais um sintoma do nosso atraso, da nossa falta de cosmopolitismo, da nossa incapacidade de lidar com as pressões tecnológicas e do consumo. Por outro lado, desconfio que pode ser só mais outra maneira dos designers se queixarem que ninguém os compreende.
Os portugueses – e falo do cidadão mais comum possível – compreendem suficientemente bem as imagens, pelo menos num sentido primário e imediato: compram de acordo com elas, votam de acordo com elas, rezam de acordo com elas, situam-se na vida social de acordo com elas. Por outras palavras, não são apenas os designers que se lembram com saudade daquele logótipo de gelados, daquela capa de disco, ou daquele cartaz de teatro.
Poder-se-ia contra-argumentar dizendo que isto se trata de manipulação e não de verdadeira literacia; que é uma actividade inconsciente, nostálgica e emocional. Esta argumentação revela que uma sociedade como a nossa acredita tanto na manipulação das imagens como na das palavras, mas também pode querer dizer que "literacia visual" não é apenas entender uma imagem, mas também a capacidade para a comentar, para falar sobre ela. Desta forma, a expressão “literacia visual” não significa só “compreender as imagens” mas “falar sobre as imagens” ou “produzir um discurso sobre as imagens”.
Neste segundo sentido, os portugueses, ajudados por uma multidão de comentadores mais ou menos competentes, não se cansam também de falar sobre as imagens. Não é um discurso muito especializado e raras vezes chega a grandes conclusões. No caso dos comentadores, limita-se a reclamar a posse política das imagens, dizendo-nos o que devemos pensar delas. Um bom exemplo é o professor Marcelo que todas as semanas nos diz “vocês viram isto, mas na verdade não foi bem assim: o que se passou foi antes aquilo.”
Mas se os portugueses respondem bem às imagens e até não se cansam de falar sobre elas, com os designers a coisa é diferente. Os designers são muitas vezes treinados na escola para argumentar em termos exclusivamente visuais. Lembro-me de um professor meu avaliar os trabalhos de design da turma dispondo-os sobre uma mesa hierarquicamente, dos melhores para os piores, não fazendo praticamente nenhum comentário concreto sobre eles. Era uma forma de avaliação puramente espacial que, tirando alguns “Percebem?” ou alguns “Estão a ver o quero dizer?”, se escapava quase completamente ao discurso oral. Por um lado, este género de treino ajudava-nos a tomar decisões baseadas em imagens de maneira bastante fluente, mas quando se tratava de argumentar verbalmente essas decisões o caso mudava de figura. A incapacidade de verbalizar sobre um trabalho chegava mesmo a ser vista como um dado adquirido, uma característica natural e positiva do designer.
De certa maneira, o designer ideal seria um homem de poucas palavras, que consegue convencer os clientes apenas pela força visual dos seus trabalhos; em alternativa, o designer poderia ser também o mestre da treta, que através de uma conversa de circunstância consegue “enganar” o cliente, levando-o a aceitar um trabalho. Qualquer um dos casos ilustra bem o carácter secundário da linguagem nos processos do design – no primeiro, desprezando-a completamente; no segundo, reduzindo-a a um mero efeito especial. Mas se isto até pode funcionar nas conversas pontuais com um cliente, torna-se um vício embaraçoso noutras situações – é difícil justificar uma profissão, ou lutar pelos seus direitos, usando uma argumentação puramente visual ou recorrendo à conversa de treta.
Embora as coisas estejam a mudar, e o discurso sobre design em Portugal esteja a melhorar, a verdade é que ainda não é suficiente, nem tem qualidade que chegue. Os nossos melhores designers, independentemente do seu trabalho prático, continuam a limitar as suas intervenções públicas a estafados discursos de circunstância ou a animadas conversas de treta, que na prática só servem para melhorar a auto-estima da plateia. Pelo contrário, na cena internacional do design, muitos dos melhores designers escrevem regularmente textos de qualidade – desde Milton Glaser até Ellen Lupton, passando por Rudy Vanderlans – argumentando e contra-argumentando as suas posições publicamente.
Se literacia visual significasse apenas pensar por imagens, então os designers portugueses estão muito bem equipados; no entanto, se significa também argumentar verbalmente sobre imagens, então são nitidamente os designers – mais do que qualquer outro português – que precisam de mais literacia visual.
Os portugueses – e falo do cidadão mais comum possível – compreendem suficientemente bem as imagens, pelo menos num sentido primário e imediato: compram de acordo com elas, votam de acordo com elas, rezam de acordo com elas, situam-se na vida social de acordo com elas. Por outras palavras, não são apenas os designers que se lembram com saudade daquele logótipo de gelados, daquela capa de disco, ou daquele cartaz de teatro.
Poder-se-ia contra-argumentar dizendo que isto se trata de manipulação e não de verdadeira literacia; que é uma actividade inconsciente, nostálgica e emocional. Esta argumentação revela que uma sociedade como a nossa acredita tanto na manipulação das imagens como na das palavras, mas também pode querer dizer que "literacia visual" não é apenas entender uma imagem, mas também a capacidade para a comentar, para falar sobre ela. Desta forma, a expressão “literacia visual” não significa só “compreender as imagens” mas “falar sobre as imagens” ou “produzir um discurso sobre as imagens”.
Neste segundo sentido, os portugueses, ajudados por uma multidão de comentadores mais ou menos competentes, não se cansam também de falar sobre as imagens. Não é um discurso muito especializado e raras vezes chega a grandes conclusões. No caso dos comentadores, limita-se a reclamar a posse política das imagens, dizendo-nos o que devemos pensar delas. Um bom exemplo é o professor Marcelo que todas as semanas nos diz “vocês viram isto, mas na verdade não foi bem assim: o que se passou foi antes aquilo.”
Mas se os portugueses respondem bem às imagens e até não se cansam de falar sobre elas, com os designers a coisa é diferente. Os designers são muitas vezes treinados na escola para argumentar em termos exclusivamente visuais. Lembro-me de um professor meu avaliar os trabalhos de design da turma dispondo-os sobre uma mesa hierarquicamente, dos melhores para os piores, não fazendo praticamente nenhum comentário concreto sobre eles. Era uma forma de avaliação puramente espacial que, tirando alguns “Percebem?” ou alguns “Estão a ver o quero dizer?”, se escapava quase completamente ao discurso oral. Por um lado, este género de treino ajudava-nos a tomar decisões baseadas em imagens de maneira bastante fluente, mas quando se tratava de argumentar verbalmente essas decisões o caso mudava de figura. A incapacidade de verbalizar sobre um trabalho chegava mesmo a ser vista como um dado adquirido, uma característica natural e positiva do designer.
De certa maneira, o designer ideal seria um homem de poucas palavras, que consegue convencer os clientes apenas pela força visual dos seus trabalhos; em alternativa, o designer poderia ser também o mestre da treta, que através de uma conversa de circunstância consegue “enganar” o cliente, levando-o a aceitar um trabalho. Qualquer um dos casos ilustra bem o carácter secundário da linguagem nos processos do design – no primeiro, desprezando-a completamente; no segundo, reduzindo-a a um mero efeito especial. Mas se isto até pode funcionar nas conversas pontuais com um cliente, torna-se um vício embaraçoso noutras situações – é difícil justificar uma profissão, ou lutar pelos seus direitos, usando uma argumentação puramente visual ou recorrendo à conversa de treta.
Embora as coisas estejam a mudar, e o discurso sobre design em Portugal esteja a melhorar, a verdade é que ainda não é suficiente, nem tem qualidade que chegue. Os nossos melhores designers, independentemente do seu trabalho prático, continuam a limitar as suas intervenções públicas a estafados discursos de circunstância ou a animadas conversas de treta, que na prática só servem para melhorar a auto-estima da plateia. Pelo contrário, na cena internacional do design, muitos dos melhores designers escrevem regularmente textos de qualidade – desde Milton Glaser até Ellen Lupton, passando por Rudy Vanderlans – argumentando e contra-argumentando as suas posições publicamente.
Se literacia visual significasse apenas pensar por imagens, então os designers portugueses estão muito bem equipados; no entanto, se significa também argumentar verbalmente sobre imagens, então são nitidamente os designers – mais do que qualquer outro português – que precisam de mais literacia visual.