segunda-feira, fevereiro 21, 2005

O Designer como Público Alvo

Quais são os mecanismos que tornam um designer português "conhecido"? Há várias escolas de pensamento: trabalho duro, pais endinheirados, contactos, sentido de oportunidade, capacidade de empreendimento, promoção pessoal e mais uma carrada de qualidades abstractas que poderiam ser aplicadas a qualquer profissão (espero que tenham reparado que deixei de fora "génio", "talento", etc).

Se existirem mecanismos específicos de reconhecimento, não se limitarão com certeza à qualidade formal ou técnica do designer em questão. Existem designers extremamente rigorosos e inventivos de que pouca gente ouviu falar, mas também existem grandes luminárias que têm poucas razões para o serem, limitando-se a uma vaga competência de empreiteiro gráfico.

Pessoalmente, acho que uma resposta possível está no próprio estilo de vida dos designers enquanto consumidores dentro de um determinado grupo demográfico. Na ausência de imprensa especializada ou eventos de divulgação regulares, o design que nos entusiasma (mesmo aquele que odiamos), aquele que nos obriga a entortar o pescoço e a ler a letra miudinha da assinatura, aparece-nos no nosso quotidiano, nas ruas, nos ecrãs de televisão, nos sites que visitamos. Somos afectados, enfim, pelo design presente nos lugares que frequentamos e nos produtos que consumimos.

Há um certo tipo de clientes e de trabalho que atrai mais a atenção da comunidade dos designers. Alguém que faça a identidade gráfica de um criador de galinhas tem menos probabilidades de ser reconhecido do que alguém que faça o design de um jornal que os designers lêem ou de um sítio onde os designers saem à noite. Resumindo: se um designer trabalhar para um cliente que tenha os próprios designers dentro do seu público alvo tem boas probabilidades de se safar bem na vida.

Mesmo as escolas acabam por obedecer a esta lógica, tendo em conta que os jovens designers são aí um público alvo por excelência. Apesar da acusação habitual, as escolas estão longe de estarem totalmente afastadas do mercado de trabalho. Elas são mercados de trabalho em mais do que um sentido: além de promoverem e perpetuarem modelos profissionais, são também campos de recruta para novos profissionais e locais de promoção dos próprios docentes enquanto designers praticantes.

O maior problema destes processos é que são largamente invisíveis e podem ser imensamente manipuladores. Parecem inevitáveis, naturais ou contingentes, mas são na verdade construções sociais complexas que mantêm a estrutura disciplinar do design português, estabelecendo as suas relações de poder e as suas leis quanto ao que é proibido e ao que é permitido. Se o design português se mantém num marasmo acrítico e derivativo é porque estes modelos de promoção são favorecidos pela ausência de actividade crítica por parte dos designers.

Embora seja tentador afirmar que que os problemas do design português vêm do "vazio" em que se encontra, na verdade esse "vazio" é um ecossistema persistente que se protege eficazmente, eliminando tudo o que o possa pôr em causa.

quarta-feira, fevereiro 16, 2005

Julgando pelas Aparências

Esta campanha política que nos é infligida diariamente é o pior que podia ter acontecido ao design gráfico português. Graças a ela, a acusação mais humilhante que se pode fazer a um bom cidadão é que se preocupa demais com a imagem em vez dos chamados assuntos de fundo.

Este discurso assenta numa ambiguidade propositada entre comunicação e publicidade: acusa-se o adversário de 'vender o peixe' em vez de falar 'do que interessa'. É claro que a estratégia é reversível - quando se atira esta pedra ao telhado de vidro do outro, ele pode sempre reutilizá-la. A única maneira de alguém escapar é trancar-se em casa, caladinho e fora do alcance dos jornalistas, câmaras de televisão, microfones, etc - tipo Leonardo DiCaprio no The Aviator.

Mas, se todas estas reviravoltas desacreditam a classe política, arriscam-se a fazer bem pior aos designers: fizeram reaparecer na sociedade portuguesa um moralismo saloio que acredita que tudo o que se relaciona com a imagem é necessariamente mau, ou pelo menos fútil.

Numa sociedade mediatizada, para o melhor e para o pior, as nossas opções são feitas entre imagens e através de imagens. É portanto necessária, mais do que nunca, uma análise responsável e pública da cultura visual. Se houvesse tal análise, seria evidente que os nossos políticos são tão incompetentes nas questões de imagem como no resto. O melhor exemplo é que, depois de criticar a obsessão imagética do parceiro, se dedicam a apregoar o design e a inovação como essenciais à salvação da pátria.

Graças a esta campanha, é mais provável que os portugueses regressem em massa ao seu Wordzinho e ao seu PowerPointzinho em vez de esbanjarem dinheiro nesses vendedores de banha-da-cobra dos designers. Se calhar ainda vamos conseguir ter a tal economia do conhecimento, sim, mas com o lettering tipo casa-de-fotocópias do costume.

(Apesar de tudo a política também tem momentos positivos: a famosa brochura do Orçamento de Estado veio lembrar que as questões de imagem - e o design gráfico em particular - ocupam dinheiro público que os impostos de todos os portugueses pagam. Lembrou que nem tudo o que é feio, inútil e público é gratuito. Toda a sinalética urbana manhosa, todos os folhetos camarários ineficazes, todos os logotipos de junta de freguesia de trazer por casa são pagos com o nosso dinheiro e também merecem algum escrutínio por causa disso. Não apenas porque os usamos no nosso dia-a-dia e sofremos com a sua habitual inadequação, mas porque há pessoas que enriquecem impunemente com isso.)