Três Dias Noutra Cidade
Participar na Experimenta foi intenso: três dias a falar e a pensar sobre design, no meio dos nomes sonantes e do público crítico e interessado. Também foi ligeiramente frustrante, porque soube a pouco - mesmo com todos os eventos, debates e exposições. Tenho a sensação - talvez errada - que, no design português, o de comunicação é o que conta com mais praticantes. No entanto, dentro desta comunidade cada vez maior, a ausência de uma esfera pública é manifesta, continuando a não haver eventos ou publicações regulares. Nesta Experimenta - a primeira onde o design gráfico teve mais cobertura - as salas estiveram apinhadas, provando a existência de um público que se mobiliza de todos os cantos do pais para ver gente a falar sobre design de comunicação. Fazem falta, portanto, mais iniciativas nacionais nesta área.
De maneira geral, gostei de participar na Open Talk dedicada ao tema Catalysts. Levantaram-se questões importantes, como a comparação recorrente entre design e arte; as diferenças éticas entre o design amador e o design profissional; a recepção e reencenação local de discursos e problemáticas globais, por exemplo. No entanto, penso que o debate teria beneficiado de uma moderação mais eficaz, mais editorial, que conseguisse manter uma continuidade entre as intervenções.
À tarde, as conferências foram excelentes. Pessoalmente, preferi a de Rudy Vanderlans que cobriu o percurso da revista Emigre, desde o começo até ao próximo número, que será o último. O tom foi nostálgico - talvez a palavra certa seja “perplexo”. Falou das críticas demolidoras que recebeu ao longo dos anos; mostrou cartas elaboradamente insultuosas ou simplesmente grosseiras, de designers conhecidos ou de leitores anónimos. Ao ouvi-lo tive a consciência que, aqui em Portugal, consumimos o debate do design já muito digerido e embalado, esquecendo todo o investimento pessoal, todas as emoções e frustrações envolvidas. Há uns tempos, alguém me disse que ainda não havia condições para um verdadeiro debate sobre o design em Portugal - porque ainda não havia maturidade, porque as pessoas ainda eram agressivas, não sabiam discutir, etc. Ouvindo Vanderlans apercebi-me que, se existe realmente alguma vantagem lá fora, é haver dez vezes menos condições do que aqui.
As pessoas com quem falei entusiasmaram-se mais com a conferência do Stephan Sagmeister, que também foi muito boa. Falou da Felicidade - um daqueles temas que podem dar espectacularmente para o torto - e fez bastante mais do que safar-se: convenceu, provocou e inspirou. Mostrou trabalhos dele e dos seus alunos em que os esquemas, métodos e formatos aceites do design gráfico eram problematizados. Um bom exemplo é o projecto do cartaz para os prémios da Adobe. Aqui o processo de trabalho habitual é subtilmente invertido e criticado: é mostrada ao cliente uma versão digital bem acabada e limpinha que serve apenas de esboço de aprovação à versão final suja e lo-fi. O design de Sagmeister é ao mesmo tempo elegante e mal-amanhado de uma forma eficaz, mas difícil de descrever, contrastando muito com a limpeza e neutralidade da maioria do design actual. É um design problemático, no melhor sentido do termo.
À noite, a exposição Catalysts deixou-me com sensações ambíguas. Por um lado, muitos dos trabalhos expostos eram realmente incontornáveis, por outro, já conhecia muitos deles e acabei por reagir mais à sua presença física naquele contexto do que às qualidades individuais de cada um. Em geral, fiquei com a sensação que o design gráfico funciona mal no contexto expositivo; perde muita da sua força e quase toda a sua especificidade, precisando de grandes cuidados de comissariado. Trabalhos de grande impacto transformam-se facilmente em impressões coladas sobre Kapaline de aspecto escolar ou em artigos de decoração emoldurados que ficariam bem na sala de estar de um director criativo. Apesar de tudo, a revista da exposição, apoiando-se em textos sobre o tema do designer como catalisador e em alguns dos trabalhos apresentados, acabava por fornecer parcialmente o fio narrativo que não transparecia na própria mostra,
Nos dias seguintes, ainda fui a mais algumas exposições e eventos, embora poucos directamente relacionados com design gráfico. Na S*Cool Ibérica, além de coisas que eu já conhecia - o trabalho do Rui Silva, por exemplo, onde ideias situacionistas eram aplicadas ao conceito de copyleft -, chamaram-me a atenção uns posters com tipografia recortada em carne crua sobre fundo branco, feitos por duas alunas de Barcelona. A temática da exposição era consistentemente anti-consumista - não sei se por esforço concertado, ou por simples zeit-geist - mas o dispositivo cénico inspirado em salas de aula da primeira classe, com carteiras e quadros negros era um pouco excessivo, abafando o tom engagé da maioria dos trabalhos num ambiente de rebelião juvenil inconsequente.
Durante isto tudo - como seria de esperar - fiquei com uma vontade atávica de consumir (livros sobre design, claro). Tinha alguma esperança que durante a Experimenta houvesse mais oferta a este nível, mas a cidade parecia particularmente depenada. Antes da Open Talk estavam a oferecer no átrio a revista francesa étapes: international #2 (traduzida integralmente para inglês). Foi uma oferta generosa, porque tenho andado a apreciar bastante os artigos e o preço de venda original é 29,95 ¤ - que parece ser uma espécie de valor mínimo universal para a venda dos livros e revistas de design. Fora da Experimenta, arranjei na Fnac uma edição do tratado de tipografia Champ Fleury de Geofroy de Tory, o War and Peace in the Global Village de Mcluhan e Fiore, e alguns livros de W.G. Sebald, com a habitual relação entre texto e imagem. No campo da politica e da intervenção, aproveitei para consolidar a minha colecção de livros do Edward Said (havemos de falar dele) e do António Negri (idem).
Em geral, foi uma boa experiência, que podia ser mais regular e generalizada. Já era altura das grandes instituições culturais - penso em Serralves, por exemplo - incluírem na sua programação mais eventos dedicados ao design de comunicação nacional e internacional.
De maneira geral, gostei de participar na Open Talk dedicada ao tema Catalysts. Levantaram-se questões importantes, como a comparação recorrente entre design e arte; as diferenças éticas entre o design amador e o design profissional; a recepção e reencenação local de discursos e problemáticas globais, por exemplo. No entanto, penso que o debate teria beneficiado de uma moderação mais eficaz, mais editorial, que conseguisse manter uma continuidade entre as intervenções.
À tarde, as conferências foram excelentes. Pessoalmente, preferi a de Rudy Vanderlans que cobriu o percurso da revista Emigre, desde o começo até ao próximo número, que será o último. O tom foi nostálgico - talvez a palavra certa seja “perplexo”. Falou das críticas demolidoras que recebeu ao longo dos anos; mostrou cartas elaboradamente insultuosas ou simplesmente grosseiras, de designers conhecidos ou de leitores anónimos. Ao ouvi-lo tive a consciência que, aqui em Portugal, consumimos o debate do design já muito digerido e embalado, esquecendo todo o investimento pessoal, todas as emoções e frustrações envolvidas. Há uns tempos, alguém me disse que ainda não havia condições para um verdadeiro debate sobre o design em Portugal - porque ainda não havia maturidade, porque as pessoas ainda eram agressivas, não sabiam discutir, etc. Ouvindo Vanderlans apercebi-me que, se existe realmente alguma vantagem lá fora, é haver dez vezes menos condições do que aqui.
As pessoas com quem falei entusiasmaram-se mais com a conferência do Stephan Sagmeister, que também foi muito boa. Falou da Felicidade - um daqueles temas que podem dar espectacularmente para o torto - e fez bastante mais do que safar-se: convenceu, provocou e inspirou. Mostrou trabalhos dele e dos seus alunos em que os esquemas, métodos e formatos aceites do design gráfico eram problematizados. Um bom exemplo é o projecto do cartaz para os prémios da Adobe. Aqui o processo de trabalho habitual é subtilmente invertido e criticado: é mostrada ao cliente uma versão digital bem acabada e limpinha que serve apenas de esboço de aprovação à versão final suja e lo-fi. O design de Sagmeister é ao mesmo tempo elegante e mal-amanhado de uma forma eficaz, mas difícil de descrever, contrastando muito com a limpeza e neutralidade da maioria do design actual. É um design problemático, no melhor sentido do termo.
À noite, a exposição Catalysts deixou-me com sensações ambíguas. Por um lado, muitos dos trabalhos expostos eram realmente incontornáveis, por outro, já conhecia muitos deles e acabei por reagir mais à sua presença física naquele contexto do que às qualidades individuais de cada um. Em geral, fiquei com a sensação que o design gráfico funciona mal no contexto expositivo; perde muita da sua força e quase toda a sua especificidade, precisando de grandes cuidados de comissariado. Trabalhos de grande impacto transformam-se facilmente em impressões coladas sobre Kapaline de aspecto escolar ou em artigos de decoração emoldurados que ficariam bem na sala de estar de um director criativo. Apesar de tudo, a revista da exposição, apoiando-se em textos sobre o tema do designer como catalisador e em alguns dos trabalhos apresentados, acabava por fornecer parcialmente o fio narrativo que não transparecia na própria mostra,
Nos dias seguintes, ainda fui a mais algumas exposições e eventos, embora poucos directamente relacionados com design gráfico. Na S*Cool Ibérica, além de coisas que eu já conhecia - o trabalho do Rui Silva, por exemplo, onde ideias situacionistas eram aplicadas ao conceito de copyleft -, chamaram-me a atenção uns posters com tipografia recortada em carne crua sobre fundo branco, feitos por duas alunas de Barcelona. A temática da exposição era consistentemente anti-consumista - não sei se por esforço concertado, ou por simples zeit-geist - mas o dispositivo cénico inspirado em salas de aula da primeira classe, com carteiras e quadros negros era um pouco excessivo, abafando o tom engagé da maioria dos trabalhos num ambiente de rebelião juvenil inconsequente.
Durante isto tudo - como seria de esperar - fiquei com uma vontade atávica de consumir (livros sobre design, claro). Tinha alguma esperança que durante a Experimenta houvesse mais oferta a este nível, mas a cidade parecia particularmente depenada. Antes da Open Talk estavam a oferecer no átrio a revista francesa étapes: international #2 (traduzida integralmente para inglês). Foi uma oferta generosa, porque tenho andado a apreciar bastante os artigos e o preço de venda original é 29,95 ¤ - que parece ser uma espécie de valor mínimo universal para a venda dos livros e revistas de design. Fora da Experimenta, arranjei na Fnac uma edição do tratado de tipografia Champ Fleury de Geofroy de Tory, o War and Peace in the Global Village de Mcluhan e Fiore, e alguns livros de W.G. Sebald, com a habitual relação entre texto e imagem. No campo da politica e da intervenção, aproveitei para consolidar a minha colecção de livros do Edward Said (havemos de falar dele) e do António Negri (idem).
Em geral, foi uma boa experiência, que podia ser mais regular e generalizada. Já era altura das grandes instituições culturais - penso em Serralves, por exemplo - incluírem na sua programação mais eventos dedicados ao design de comunicação nacional e internacional.