segunda-feira, agosto 08, 2005

Somos os Maiores

Há uns tempos, ouvi dizer que um concurso de design premiava os membros do seu próprio júri. Recebi os mails, discuti o assunto no café e nas aulas. Fiquei sem saber a conclusão do caso. Feitas as contas, parece-me uma boa parábola sobre o estado do design gráfico nacional. Não conseguindo ver um palmo à frente do próprio nariz, dedicamo-nos - inocentemente ou não - a pregar medalhas no próprio traseiro. O design gráfico nacional é mesmo assim: cada designer fechado no seu cantinho, desconhecendo tudo o que se passa fora da sua rua, mas conhecendo - paradoxalmente - tudo o que se passa “lá fora”. Por cá, um quilometro até podiam ser mil e o design português permanece num nível estritamente local, quase de bairro, excepto três ou quatro nomes com “provas dadas”.

Ora isso das provas dadas pode até nem ser um elogio. “Provas dadas” significa valor seguro, acima de escrutínio - que nem precisa de se esforçar. O território das “provas dadas” costuma ser o território da complacência, onde reinam códigos de silêncio que só são interrompidos pelo som frequente das palmadinhas nas costas e pela dupla adjectivação auto-elogiosa.

É claro que há sempre designers que querem mais do que isso. Fazem sempre mais e, se possível, melhor. Fazem-no há anos, por vezes há décadas. A sua melhor recompensa seria uma avaliação feita pela melhor bitola possível; o maior elogio que se lhes poderia fazer seria levá-los a sério; tentar entendê-los; testá-los e pô-los à prova. Comentá-los. No entanto, graças à complacência e conservadorismo gerais, tentar ser excelente e discutir a excelência no contexto do design português é o equivalente a fazer trainspotting em Inglaterra ou ser fã do Caminho das Estrelas nos Estados Unidos- uma coisa que até é fixe aos dezoito mas que aos trinta já parece mal.

Nestas circunstâncias, reconhecer um exemplo de bom design pode ser difícil. Há quem fale de legibilidade, clareza, vernizes, prémios e idas à gráfica. Prefiro pôr as coisas de uma maneira mais directa: o bom design é como um murro no estômago. É um grande ponto de interrogação a acusar-nos de não nos termos lembrado daquilo antes, de não estarmos em casa a trabalhar sem dormir nem comer desde a semana passada. O bom design é humilhante - no melhor sentido do termo. E melhor ainda: não fica limitado a esse primeiro momento. O bom design sobrevive. Sobretudo quando tem gente que o debata, que o compare, que o pese, que o defenda e o ataque.

Portanto, o meu conselho a toda a gente é: quando virem bom design, tentem registá-lo, tentem escrever sobre ele. Não tenham medo de o pôr em causa - se for mesmo bom ele aguenta. E lembrem-se: não há pré-requisitos para ter uma opinião. Não esperem trinta anos para fazer um juízo crítico - só vão ganhar prática a ficar calados. Ter opinião implica que haja alguém que não concorde connosco. Habituem-se a isso. Não tenham medo de dizer as coisas óbvias - em Portugal, até isso costuma ficar por dizer.

Agora - por favor - não percam tempo. O design não dura muito se ninguém lhe pegar.