terça-feira, março 08, 2005

O Estado das Coisas

Já ouvi designers dizerem que o uso abusivo da palavra "design" devia ser regulamentado — segundo parece, há gente a mais a usá-la. Infelizmente para eles, "design" é o grande adjectivo da nossa sociedade de consumo. De acordo com a publicidade, qualquer pessoa pode aceder aos produtos do design e mesmo aos seus processos e metodologias sem precisar de qualquer formação prévia. Afinal, ninguém pede o diploma de designer na venda de um MacIntosh, um Adobe InDesign ou uma fonte da Emigre.

Nesta altura da conversa, alguém — geralmente um designer — contrapõe que os designers dominam uma linguagem própria com uma longa tradição que aprenderam num curso universitário e etc. Seria um bom contra-argumento se fosse totalmente verdade. Aqui em Portugal, a maioria dos designers — jovens e não só — sente-se isolada de qualquer tipo de tradição ou mesmo comunidade. A nossa história e teoria do design são em larga medida mantidas por tradição oral, não havendo praticamente nenhuma publicação que cubra os últimos trinta anos da actividade. A pouca história que consumimos é investigada em outros países, importada e consumida como um catálogo de tendências a copiar.

No meio académico as coisas não são muito melhores. A obrigação tácita de que todos os professores devem ser também designers praticantes impede as escolas de fazer qualquer tipo de actividade crítica em relação ao design local. Pode-se discutir ou investigar o que se quiser, desde que só se chegue às conclusões do costume e, também aqui, o tribunal de última instância acaba por ser essa entidade mal definida a que se chama "lá fora".

O design de comunicação é, por natureza, uma coisa efémera, cuja pertinência é local e actual; fazer o outsourcing da nossa crítica e da nossa história só sublinha a falta de valor intelectual e social do design português. Ou seja: se o design for inovação, em Portugal isso significa apenas estar menos atrasado. Nunca se tratou de produzir algo de novo, mas de ser o primeiro a consumir algo que já esteja mais do que digerido "lá fora". O design português, com a sua mentalidade de modista que espera pelos modelos vindos de Paris, deseja e mantém o atraso porque ele ajuda a definir a sua identidade de filial do gosto cosmopolita, queixando-se entredentes da incompreensão dos "nativos".

Quando se chega a esta parte do diagnóstico alguém diz logo que é assim em todo o lado e que as coisas não estão assim tão mal. É um bom argumento — se não houver demasiadas ambições, evidentemente — e que pode ser apoiado por uma versão portuguesa daquela ideia de que o bom design é invisível. Originalmente, isso queria dizer que o bom design é invisível para toda a gente menos para os designers, mas aqui tem um significado ligeiramente diferente. O "cálice de cristal" de Beatrice Warde simbolizava transparência; a invisibilidade do design português é opaca, enquistada e corporativista. É uma invisibilidade que procura manter um consenso artificial e forçado e que procura evitar responsabilidades e discussão, enquanto se espera pela próxima remessa de soluções pré-fabricadas. Na melhor das hipóteses, o design português é tão invisível como o fato novo do rei.