terça-feira, novembro 16, 2004

Vale Tudo Menos Times Corpo Doze

Há quem diga que o melhor design é invisível e depois só se preocupe com o que está mais à vista. Por exemplo, a maioria dos designers portugueses só se aflige com os aspectos mais refinados do design de livros quando fala ou edita para outros designers. A obra de Tschichold, Goudy, Morison e Bringhurst é amplamente citada mas a sua aplicação concreta vai ficando adiada para dias menos apressados ou lucrativos.

Se os detalhes são descuidados, a marca do designer fica-se pela escolha exótica do formato, papel ou fontes e por algum cuidado com a capa. Fora isso, a lista das queixas é interminável. Já vi livros assinados por designers "conhecidos da nossa praça" com texto alinhado pela borda (invisível depois de impressa) da caixa de texto; leading variável ao longo da página; indentações no começo dos capítulos; viúvas e órfãos à descrição; espaçamento irregular em fontes mono-espaçadas (provocado por justificação em bloco); etc, etc.

Como é natural, para deslizes comuns existem os suspeitos do costume: o estagiário ignorante, o designer júnior incompetente, o cliente melga, a gráfica "criativa" e por aí fora. Só não se fala do culpado mais provável: o art director à portuguesa, do género "fui-almoçar-com-uns-amigos-importantes-no-meu-carro-de-grande-cilindrada-e-nunca-mais-ninguém-me-viu-até-aparecer-o-cheque".

Não sei se estas foram as causas, mas na edição portuguesa de Austerlitz de W.G.Sebald (desconheço o designer) a falta de cuidado é manifesta: os cuidados de paginação da edição inglesa (de que já falei neste blog) foram para o espaço; as imagens, mesmo quando não estão muito ampliadas, têm demasiado grão e contraste — parece que foram fotocopiadas de um jornal (nas edições inglesa e francesa parecem mesmo fotografias).

(É quase injusto dar apenas um exemplo quando a falta de cuidado é de tal maneira generalizada. Fica apenas uma última preocupação: qual é a legitimidade do designer se, muitas vezes, o seu trabalho de paginação se limita a uma imitação hiper-orçamentada do Word, impressa em papel caro e com uma capa vistosa?)

5 Comments:

Anonymous Anónimo said...

tudo isso e muito mais - e o mais incrível é nem ser uma preocupação. as escolas continuam a formar ilustradores?

9:17 da tarde  
Blogger joao said...

...só se for a tua...

3:28 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

este fim-de-semana choveu

luís

7:11 da tarde  
Blogger Van Der Ley said...

só espero que comic sans também não valha...

5:50 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Não sejamos tão apocalípticos...
também se vêm coisas bem cuidadas.
Há que dar tempo ao tempo. Esta «coisa do design», assim como os cursos de design e a profissão de designer, ainda são muito recen-tes no nosso panorama nacional.
Cada um tem de ir dando o seu contributo para melhorar este cenário, seja ele um contributo prático ou de chamada de atenção como é o caso deste texto... Não podemos é dramatizar a questão!
E quanto à afirmação levantada
de que «as escolas continuam
a formar ilustradores», conferindo à palavra «ilustradores» uma cono-tação negativa não muito feliz, penso que isso reflecte, além
de descrença, alguma falta
de conhecimento acerca da evolução e do salto qualitativo na formação de jovens designers nas nossas escolas do ensino superior e mesmo em cursos técnicos. Existem escolas do nosso país a ganharem prémios, concursos e distinções concorrendo com outras na Europa (falando claro, no âmbito
do design). Com calma, muito trabalho e brio naquilo que se faz este cenário melhorará de certeza.

4:23 da tarde  

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