sexta-feira, dezembro 17, 2004

E Mais Uma Vez, O Design Inglês

Uma pessoa avalia um objecto de design gráfico de fora para dentro, a começar pela lombada ou capa, depois olha com atenção o aspecto e composição das páginas e, finalmente, se for caso disso, lê a coisa. Para quem - como eu - não gosta de comprar na net, este processo é insubstituível. Permite namoriscar o livro, revista ou catálogo, mesmo sabendo que, na maioria dos casos, não se lhe consegue resistir. Graças a este hábito, no entanto, quase ia deixando escapar um bom livro sobre design, apenas porque o título na sua lombada é mais comprido (e graficamente ilegível) que os soundbites habituais: "Communicate: Independent Graphic Design since the Sixties".

É um catálogo editado por Rick Poynor para uma exposição na Barbican Art Gallery de Londres e reproduz algumas centenas de trabalhos de design britânico das últimas quatro décadas, organizados em várias secções temáticas ("Publishing", "Identity", "Arts", "Music", "Politcs and Society" e "Self-initiated projects") que incluem também entrevistas a alguns dos designers representados. Apesar da quantidade estonteante de imagens bem reproduzidas e altamente "inspiradoras" (vocês sabem o que eu quero dizer), a mais valia do livro assenta nos ensaios de Rick Poynor, John o'Reilly, Nico MacDonald e David Crowley.

O adjectivo "independent" do título é o conceito fundador de Communicate. Na introdução, Poynor afirma usá-lo com dois sentidos: o primeiro é quantitativo e descreve firmas pequenas, formadas por menos de meia dúzia de pessoas, diferenciando-as das grandes agências cotadas na bolsa, com organização corporativa, etc, etc; o segundo é uma definição mais ideológica e social e tenta descrever uma espécie de não-conformismo criativo.

A comparação com o nosso panorama nacional é injusta, mas inevitável e, tentando aplicar o modelo ao nosso "caso", depressa nos apercebemos que há em Portugal uma preponderância de pequenas firmas, mas que estas são bastante conservadoras e orientadas para o negócio, com excepções que se limitam quase exclusivamente à produção no contexto académico ou aos chamados mercados alternativos (arte, música, moda, etc).

Uma das possíveis razões para esta diferença de atitudes é a autonomia teórica do design inglês mantida através de revistas como a Eye, a DotDotDot, a Graphic, bem como um sem números de publicações, desde as mais promocionais às mais académicas. A importância desta actividade editorial é bem sublinhada no ensaio "Design magazines and design culture" de David Crowley e em "Spirit of Independence", do próprio Poynor, que traça uma história concisa do design gráfico independente inglês baseada sobretudo na evolução dos seus conceitos e da sua crítica.

Mas a ideia de uma independência crítica do design é levada um passo mais longe no ensaio "Thinking with Images" de John o'Reilly onde se fala da inadequação dos modelos herdados da crítica literária para compreender uma sociedade onde a imagem é cada vez mais importante. Seria necessária uma nova crítica da imagem, emancipada da crítica literária de inspiração estruturalista. Esta preocupação tem ganho força, como o demostram os últimos números da Emigre (em particular o #64).

Poder-se-ia pensar que esta independência toda isolaria o design da sua viabilidade comercial, instituindo uma espécie de elitismo artístico. Os autores de Communicate estão conscientes do perigo mas, logo no começo do seu ensaio, Poynor diz que"se a Grã-Bretanha, no final do século XX, se transformou num país onde a comunicação gráfica de primeira-classe está tão entranhada no quotidiano ao ponto do público a tomar como um dado adquirido, isto deve-se em grande parte ao (...) esforço [dos designers gráficos independentes]." Por esta afirmação podemos ver que esta "independência" não pretende afastar-se da sociedade, mas dos interesses comerciais ou corporativos.

Paradoxalmente, esta filosofia "anti-comercial" ajuda a promover não só o design inglês, como constitui uma espécie de imagem de marca da própria sociedade inglesa. A inclusão neste catálogo de objectos gráficos menos "canónicos" mas que ajudaram a estabelecer o british style - os livros dos Monty Python com design de Katy Hepburn, por exemplo - prova bem a ambição de afirmar o design gráfico como um agente de definição cultural e social à escala de um país.

Nota final: para quem lida com os aspectos mais "intelectuais" do design português, este livro é tão humilhante e avassalador como a primeira parte de um filme sobre invasões extraterrestres.

3 Comments:

Blogger joao said...

Extraterrestrian my ass!
I'll do it better as soon as I create a non çedilhado and non accentuádo alphabet.

6:24 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

cê cedilhado? ç = basta acrescentar ccedil entre & e ;

6:29 da tarde  
Blogger joao said...

Explique-se! Tá?
Estes anonymous partem macabeça toda!
Fosgasss...

5:28 da manhã  

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