Palavras para quê?
Há uns tempos fui com uma amiga minha à Matéria Prima. A maioria das pessoas que lerem este texto na Cidade do Porto conhecem esse sítio. Só o descrevo por motivos atmosféricos: é uma daquelas casas burguesas do Porto, estilo habitação de velhota, que foi convertida num café-livraria-discoteca-sala-de-exposições. Fica numa rua onde existe um grande número de galerias de arte, no meio dos stands de automóveis e das mercearias.
Nesses lugares, sou irremediavelmente atraído pela mesa onde se expõem revistas e livros para venda. Pego numa revista e folheio. Modelos, velhotes em pose de modelo, modelos imitando operários e etc. Este tipo de publicação deixa-me atordoado e com uma sensação de infelicidade que não é de todo desagradável. No entanto, desta vez reparo num pormenor curioso. Pego em outra revista e comparo: é a mesma coisa. À terceira, tenho a certeza de que algo de estranho se passa.
Nenhuma das revistas tem uma só palavra. Continuo a folhear. O único texto que me aparece é um anúncio. Passo para a revista seguinte; com esforço descubro umas poucas palavras dando o nome do modelo fotográfico e o que ele veste.
Depois de alguma reflexão chego a uma conclusão surpreendente: neste momento, paga-se para não comunicar. Esta conclusão pede mais reflexão: normalmente, a comunicação é um valor positivo, uma coisa boa. Porquê a inversão?
Até ao século XIX, os trabalhores mais subalternos trabalhavam ao sol, logo as classes dominantes davam-se ao luxo de poder exibir a palidez; no século xx, os subalternos trabalham na sombra dos escritórios, logo as classes dominantes exibem o bronzeado. Neste momento, aquilo a que se costumava chamar proletariedado lida com a produção e reprodução industrial de informação, logo os objectos de luxo exibem uma ausência manifesta de signos.
Corre-se o risco de generalizar, mas a comunicação e o seu maior símbolo, a palavra escrita, não ameaçam o status quo, apenas o fortalecem. Antonio Negri e Michael Hardt referem que as grandes revoltas do passado deram lugar a acções que se escapam à comunicação internacional. Não são internacionais nem sequer transmíssiveis, Passam-se a nível local e não criam réplicas em outros países. Tudo o que não participa da comunicação torna-se um desperdício escandaloso. O maior defeito que se pode apontar a um objecto artístico é a incapacidade de comunicar. No entanto, a maioria dos objectos artísticos produzidos actualmente, são muito semelhantes a caixas negras, das quais nada sai, nem nada entra. Não se trata de arte meramente chocante por ser incompreendida; trata-se de arte que vive no final de um século dedicado à comunicação e que quer ser o oposto disso.
Parece que existe um novo analfabetismo – num sentido surpreendentemente literal –, uma desconfiança no discurso escrito, apoiada numa ideia de que existem experiências imersivas mais interessantes do que qualquer literatura. A palavra tornou-se demasiado comum em cidades forradas de cartazes, pintadas de graffittis, com outdoors de beira de estrada e de mensagens escritas sms.
Nesses lugares, sou irremediavelmente atraído pela mesa onde se expõem revistas e livros para venda. Pego numa revista e folheio. Modelos, velhotes em pose de modelo, modelos imitando operários e etc. Este tipo de publicação deixa-me atordoado e com uma sensação de infelicidade que não é de todo desagradável. No entanto, desta vez reparo num pormenor curioso. Pego em outra revista e comparo: é a mesma coisa. À terceira, tenho a certeza de que algo de estranho se passa.
Nenhuma das revistas tem uma só palavra. Continuo a folhear. O único texto que me aparece é um anúncio. Passo para a revista seguinte; com esforço descubro umas poucas palavras dando o nome do modelo fotográfico e o que ele veste.
Depois de alguma reflexão chego a uma conclusão surpreendente: neste momento, paga-se para não comunicar. Esta conclusão pede mais reflexão: normalmente, a comunicação é um valor positivo, uma coisa boa. Porquê a inversão?
Até ao século XIX, os trabalhores mais subalternos trabalhavam ao sol, logo as classes dominantes davam-se ao luxo de poder exibir a palidez; no século xx, os subalternos trabalham na sombra dos escritórios, logo as classes dominantes exibem o bronzeado. Neste momento, aquilo a que se costumava chamar proletariedado lida com a produção e reprodução industrial de informação, logo os objectos de luxo exibem uma ausência manifesta de signos.
Corre-se o risco de generalizar, mas a comunicação e o seu maior símbolo, a palavra escrita, não ameaçam o status quo, apenas o fortalecem. Antonio Negri e Michael Hardt referem que as grandes revoltas do passado deram lugar a acções que se escapam à comunicação internacional. Não são internacionais nem sequer transmíssiveis, Passam-se a nível local e não criam réplicas em outros países. Tudo o que não participa da comunicação torna-se um desperdício escandaloso. O maior defeito que se pode apontar a um objecto artístico é a incapacidade de comunicar. No entanto, a maioria dos objectos artísticos produzidos actualmente, são muito semelhantes a caixas negras, das quais nada sai, nem nada entra. Não se trata de arte meramente chocante por ser incompreendida; trata-se de arte que vive no final de um século dedicado à comunicação e que quer ser o oposto disso.
Parece que existe um novo analfabetismo – num sentido surpreendentemente literal –, uma desconfiança no discurso escrito, apoiada numa ideia de que existem experiências imersivas mais interessantes do que qualquer literatura. A palavra tornou-se demasiado comum em cidades forradas de cartazes, pintadas de graffittis, com outdoors de beira de estrada e de mensagens escritas sms.
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